sexta-feira, 27 de abril de 2012

Depois do púlpito

Previdência para pastores ainda é negligenciada no Brasil, mas igrejas começam a pensar mais seriamente no assunto.

Depois do púlpito

Por Marcelo Barros
Seguridade social, no Brasil, é tema dos mais espinhosos. Abalado por prejuízos que se acumulam ano a ano, fraudes monumentais e desigualdades que privilegiam um pequeno grupo de aquinhoados em detrimento de milhões de segurados que vivem à míngua, o sistema previdenciário nacional caminha para o colapso. Previsões mais pessimistas apontam que, por volta da década de 20 deste século, o equilíbrio atuarial, hoje mantido graças a generosos aportes do Tesouro Nacional, irá definitivamente para o espaço. Não haverá mais como garantir o pagamento dos benefícios que até lá serão concedidos, já que o número de trabalhadores ativos será semelhante ao de aposentados e pensionistas. O rombo, tanto no setor público – onde está o maior déficit – quanto no privado, já se aproxima dos R$ 50 bi anuais.
Diante das perspectivas sombrias, o trabalhador não tem muito para onde correr. No Brasil, todo empregado formal (ou seja, aquele que tem carteira profissional assinada ou está vinculado por lei ao serviço público) desconta, em média, 11% de sua renda mensal para a Previdência Social. É o chamado sistema contributivo, onde todos destinam parte do que ganham para a formação de um fundo a ser repartido. Os trabalhadores da iniciativa privada recolhem para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), enquanto que os funcionários públicos têm sistemas próprios. Como a conta não fecha e os benefícios, em média, são pequenos, quem tem condições adere aos chamados fundos de previdência facultativos, a fim de garantir uma renda extra na inatividade. Ainda é coisa para poucos – dos segurados do INSS, 70% recebem apenas um salário mínimo por mês. Por isso, a imagem clássica do aposentado de chinelos, pescando com os netos na beira da praia ou regando plantas no jardim, corresponde cada vez menos à realidade. É crescente o número de idosos que precisam trabalhar até a morte para garantir a sobrevivência.
Se a situação já é difícil para quem está vinculado compulsoriamente à Seguridade Social, pior fica para os trabalhadores do mercado informal ou aqueles que exercem atividades que não geram vínculo empregatício. Nesta categoria estão incluídos pastores, missionários e obreiros evangélicos, cuja relação com igrejas e ministérios não é regida pelas leis trabalhistas (ver quadro). Embora o Ministério do Trabalho considere o ofício de ministro religioso como uma ocupação, não existe posição fechada na Justiça especializada, e os trabalhadores da fé, via de regra, não têm qualquer garantia de que seus direitos serão respeitados. Eles transitam numa espécie de limbo jurídico, onde não existe a relação patrão-empregado. E isso, para efeitos previdenciários, pode ser um desastre. É comum encontrar religiosos em fim de carreira dependendo da ajuda familiar ou da caridade alheia para sobreviver. Um fim lamentável para muita gente que, à semelhança do apóstolo Paulo, combateu o bom combate, completou a carreira e guardou a fé.
Um exemplo de como o assunto é negligenciado no país é a situação do pastor Valdebam Alves de Almeida. Aos 50 anos de idade, ele vive com a mulher e os três filhos em Santa Teresinha, no agreste de Pernambuco, a 450 quilômetros da capital, Recife. Com dezenove anos de ministério, ele recebe seu sustento da Igreja O Brasil para Cristo, a serviço da qual implanta templos no interior. Homem de fé, tem feito um belo trabalho para o Reino de Deus – mas, em relação às coisas deste mundo, parece totalmente desinformado. “Nunca pensei nesse negócio de aposentadoria, não tenho a menor ideia de como seja”, responde, ao ser indagado sobre previdência. Segundo Valdebam, sua igreja nunca tocou neste assunto com ele. “Nestes rincões, não importa qual seja a denominação, isso não é sequer comentado nas igrejas”, diz.

Penúria – A bem da verdade, o pastor não está totalmente desamparado. Há dois anos, quando sua mulher teve um câncer no útero, a igreja levou-a para São Paulo, custeando todos os exames e a cirurgia. Mas, em relação ao futuro, Valdebam demonstra não saber o que vai acontecer com ele e sua família, quando não puder mais exercer o ministério. Com simplicidade, o obreiro aproveita a ligação do repórter para perguntar: “Será que o irmão sabe me dizer quando eu me aposento?”. Ele diz temer encerrar seus dias como o pastor Zacarias Salvador, célebre evangelista do sertão, que morreu há alguns anos na pobreza absoluta. Durante anos e anos, Zacarias semeou igrejas em localidades ainda virgens para o Evangelho, como Piancó, Teixeira e Olho D’Água. Além de pregar, ele punha literalmente a mão na massa. Segundo Valdebam, o homem participava da construção dos templos e ainda visitava as viúvas e os doentes ativamente. “Mas o fim da vida dele foi muito triste”, lamenta. “Infelizmente, tenho visto irmãos terminarem o ministério em pé de miséria”, preocupa-se.
CRISTIANISMO HOJE não obteve retorno da Igreja O Brasil para Cristo na solicitação de informações sobre a previdência de seus pastores. Na maioria dos casos, a questão é negociada entre o ministro e sua igreja local, mas várias denominações têm montado estruturas próprias ou firmado parcerias com empresas especializadas, a fim de fornecer aposentadorias e pensões a seu pessoal (ver abaixo). Mas, embora semelhantes, os termos previdência e providência, inclusive a divina, nem sempre combinam, ainda mais quando o pastor não procura garantir alguns direitos ao longo da vida. “Jamais pensei em aposentadoria na velhice, nem exigi nada de igreja nenhuma que liderei”, reconhece o evangelista Clério Boechat de Oliveira, de 97 anos. O passado missionário, quando percorria a região de Maricá (RJ) em lombo de burro anunciando a Palavra de Deus, não lhe rendeu nada material além de uma aposentadoria por velhice, de um salário mínimo, ou 510 reais – o piso nacional da Previdência.
Para conseguir mais que isso, Clério teria que ter contribuído para o INSS de maneira mais efetiva, o que não aconteceu. “Eu confiava só no Senhor”, conta o ancião, que afastou-se dos púlpitos quando a saúde lhe faltou. “Ele era apaixonado por missões, vivia para a pregação do Evangelho”, diz a filha Clícia, técnica de enfermagem e dona da casa onde hoje o pastor reside com a mulher, Pearl White, de 88 anos. Segundo ela, é a família que não os deixa passar fome. “Graças a Deus, eu e meus irmãos podemos ampará-los”, revela. “Mas minha mãe já sofreu cinco derrames e dois enfartes. Como seria se eles tivessem de comprar remédios, pagar médicos, além de comida e moradia, com o que ganham?”, indaga. “O abandono é uma dura realidade”, constata.
“O apoio a obreiros na terceira idade em nosso país é muito frágil, para não dizer negligente”, concorda o pastor Pedro Luis da Silva, da Igreja Batista Independente Sertaneja. Como diretor do Seminário da Juventude Evangélica da Paraíba (Juvep), ele percorre o Nordeste desenvolvendo seu trabalho missionário e encontra casos chocantes. “Às vezes, o próprio pastor não dá importância à questão. Noutros casos, falta planejamento das igrejas”, avalia Pedro, cuja contribuição previdenciária é paga pela entidade que dirige.

Previdência complementar – No contexto urbano, onde há mais acesso à informação, a situação é diferente. Pastores de igrejas de médio e grande porte contam com o incentivo de suas organizações para que planejem devidamente sua carreira. Mesmo assim, é preciso haver controle. Na Igreja Missionária Evangélica Maranata, do Rio de Janeiro, a direção responsabiliza-se pelo recolhimento ao INSS. “A primeira coisa que fiz quando assumi a presidência administrativa do ministério foi tirar os carnês das mãos dos pastores”, diz a pastora Claudete Brito. “Como não há desconto fixado em folha, eles acabavam decidindo quando e quanto pagar, e não o faziam com regularidade”.
Segundo ela, o problema nas igrejas aumenta porque os pastores muitas vezes são negligentes consigo mesmos. Na Maranata, um contador contratado é responsável pelo setor. A estratégia se mostrou tão acertada que a igreja decidiu se encarregar ainda do pagamento dos planos de saúde de seus pastores e das respectivas famílias. Os dois valores não são debitados da remuneração. “O objetivo é que nossos obreiros possam se aposentar pelo teto previdenciário”. Hoje, este valor é de aproximadamente R$ 3,5 mil. “Toda essa preocupação se fez necessária devido às tristes experiências que, infelizmente, vemos todos os dias com pastores, missionários e suas viúvas também”, encerra Claudete.
Já a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) optou, há 15 anos, pelo estabelecimento de um fundo próprio de pensão. O IPBPrevi, firmado em parceria com o Banco do Brasil, funcionava em sistema de repartição: o pastor pagava um terço da contribuição, a igreja local, outro tanto, e o Supremo Concílio da denominação complementava o recolhimento. O sistema foi mantido até o ano passado, quando a Comissão de Previdência, Saúde e Seguridade (CPSS) da IPB – entidade cujo objetivo é instituir e acompanhar o desempenho de planos de complementação de aposentadoria voltados aos pastores e funcionários da igreja – resolveu migrar para outra instituição previdenciária, o Banco Icatu, após uma licitação com dez outras empresas. O relator da CPSS, pastor Antônio de Oliveira Júnior, explica que a mudança visou a adequar o produto às necessidades dos segurados: “Fizemos uma avaliação do plano antigo e vimos no mercado que era melhor mudar de imediato para outro que tivesse um desenho mais rentável”.
Acontece que o modelo anterior perdeu a capacidade de, ao contrário do que foi prometido na época de sua contratação, garantir um benefício previamente estipulado. O pastor projetava um valor que gostaria de receber no futuro, e a contribuição levava em conta esta simulação, assim como a idade do segurado. O rompimento do contrato provocou polêmica entre a liderança da igreja. “Houve quem manifestasse sua indignação publicamente, como foi o caso do ex-presidente do Supremo Concílio, o reverendo Guilhermino Cunha”, conta uma fonte que pede para não ser identificada para evitar atritos com a cúpula da denominação. Foi justamente na gestão do atual pastor da Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro que o IPBPrevi foi instalado.
Guilhermino nega que tenha se aborrecido com a mudança: “A prova de que me comprometi e acreditei desde o início é que sou o beneficiário nº 001”, diz. “Quando foi feito, o plano era excelente, mas recentemente não era mais um bom negócio”, admite. Ele conta que, ao contrário de colegas que migraram para o Icatu em novas condições, preferiu liquidar seu plano, que teria fim em 2011, e receber o capital investido todo esse tempo. Só que o valor, de R$ 85 mil, sofreu tributação fiscal. Resultado: o pastor, que desejava investir em imóveis, amargou prejuízo.
Na Assembleia de Deus, 2010 também promete ser de mudanças na área previdenciária. A Convenção Geral da denominação (CGADB) anuncia para este ano o lançamento de um plano de aposentadoria complementar para seus mais de 35 mil filiados. “Até agora, não temos nenhum sistema de aposentadoria, apenas um caixa beneficente que, em alguns casos, complementa o benefício”, informa o pastor Cyro Mello, secretário-adjunto da CGADB. Contudo, ele alega que obreiros inativos em situação de penúria são coisa do passado na Assembleia de Deus. “Hoje, se houver algum caso, embora eu desconheça, pode ocorrer por ignorância nas regiões mais remotas. Mas conscientizar a igreja dessa necessidade tem sido uma luta nossa”, diz o pastor. De acordo com ele, sempre fez parte das atribuições das convenções regionais ou estaduais orientar as congregações no sentido de negociar diretamente a cobertura previdenciária com seus pastores, a maioria dos quais são segurados do INSS como autônomos.

Planejamento – O pastor presbiteriano Isaías de Souza Maciel, presidente da Ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil (Omeb), defende que todo líder religioso procure se informar e tomar as providências no sentido de se prevenir não só em relação ao futuro, mas também diante de fatalidades – como nos casos de invalidez permanente ou de morte, nos quais a Previdência Social ampara o trabalhador e suas famílias. “Não me refiro apenas aos pastores, mas também aos zeladores e toda a equipe de trabalho das congregações”, destaca Maciel. Para ele, é preciso superar certos constrangimentos. “Até pastores experientes ficam melindrados em tratar disso com suas congregações. Mas essa é uma atitude perigosa, que o desvaloriza e que poderá ter um desdobramento terrível”, alerta. O dirigente da Omeb, entidade que congrega cerca de 15 mil religiosos em todo o país, diz que é preciso compartilhar responsabilidades. “A conta deve ser dividida entre os obreiros e as igrejas. Temos visto inúmeros casos de homens de Deus totalmente desamparados na velhice”, lamenta o líder.
Para o pastor Lélio Barros, hoje com 88 anos, a solução foi um bom planejamento de vida. Sentindo-se chamado pelo Senhor para o evangelismo, ele manteve uma dupla jornada durante muitos anos: além das tarefas espirituais, dedicava-se ao seu escritório de contabilidade. “Demorei para assumir o ministério porque temia pelo meu futuro”, diz ele, que prestou serviços a empresas de grande porte sem abrir mão da obra de Deus. “Por causa disso, nunca pastoreei igrejas grandes. Estive à frente de dezenas de trabalhos, mas quando chegávamos à marca de 150 membros, eu sentia no coração o desejo de investir em outra congregação, menor ou mesmo inexistente”, conta Lélio, que hoje mora com a mulher num apartamento próprio na Zona Sul de Niterói (RJ). “Minha decisão de ter continuado trabalhando como contador hoje me proporciona uma aposentadoria tranquila.”

Na forma da lei
O Ministério do Trabalho define que são ministros de confissão religiosa aqueles que, entre outras atividades, “realizam liturgias, celebrações, cultos e ritos, pesquisam a doutrina e transmitem ensinamentos religiosos”, além de praticar “vida contemplativa e meditativa”. A natureza de tais atribuições, bem como o tipo de vínculo que os liga a suas organizações eclesiásticas, faz com que o trabalho religioso, no Brasil, não seja regulamentado como as profissões seculares. Segundo o artigo 12 no da Lei 8.212/91, eles também são contribuintes obrigatórios, individuais, do sistema de Previdência oficial – mas não há vinculo do pastor, para fins previdenciários, com a igreja. Ou seja, se a congregação quiser assumir o ônus das contribuições, deverá fazê-lo por mera liberalidade, sem obrigação legal.
A Instrução Normativa n° 3, de 14 de julho de 2005, define que a contribuição social previdenciária do ministro de confissão religiosa deve ser de 20% sobre o valor declarado, observados os limites mínimo e máximo do salário de contribuição. Outro ponto importante: não existe incompatibilidade entre o recebimento de benefícios da Previdência oficial, mantida pelo INSS, e de planos privados. Assim, as duas contribuições podem ser feitas simultaneamente, proporcionando no futuro duplo benefício. Pode-se ainda optar pela aquisição de um seguro de vida. Neste caso, com mensalidades relativamente baixas, é possível garantir uma boa cobertura ao cônjuge sobrevivente ou aos filhos. Mas atenção – geralmente, o benefício só é pago na ocorrência de morte acidental do titular.

Prevendo o futuro
De modo geral, as igrejas evangélicas promovem o recolhimento de seus pastores junto à Previdência oficial, com ou sem desconto no salário, ou estabelecem que cada um contribua através do chamado carnê de autônomo. Mas algumas denominações têm planos próprios ou estabelecem convênios com empresas especializadas em previdência privada:

Convenção Batista Brasileira (CBB) – Cada congregação é autônoma para definir a questão com seu pastor. Há igrejas que assumem o compromisso de fazer os recolhimentos junto à Previdência Social, incorporando-os ao pacote de remuneração. Outras entendem que é obrigação de cada ministro contribuir com o valor que quiser sobre seus rendimentos. Ultimamente, muitos ministros batistas têm sido contemplados pelas congregações que lideram com planos de previdência privada, a fim de complementar o que receberão do INSS.

Igreja Congregacional – De acordo com o pastor Ivo Lídio Köhn, presidente da União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (UIECB), são os pastores que pagam a sua contribuição ao INSS como contribuintes autônomos. Os obreiros mais jovens, diz ele, estão sendo orientados a ingressar também num plano de previdência privada. A UIECB mantém um seguro para o pastor e sua família, que gera um pecúlio em caso de morte do titular. Em relação a obreiros inativos e viúvas de pastores, Köhn diz que a denominação tem procurado ampará-los na medida das possibilidades.

Assembleia de Deus – A principal convenção da denominação, com cerca de 35 mil filiados, anuncia para este ano a instituição de uma previdência complementar a seus ministros, em parceria com uma empresa privada. As igrejas locais negociam diretamente a cobertura previdenciária com seus pastores.

Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ) – Todos os pastores, ao ingressar no ministério em tempo integral, são orientados a manter em dia o carnê do INSS. No caso dos obreiros que também atuam no mercado de trabalho secular, a Quadrangular os estimula a fazer contribuições autônomas, caso o recolhimento feito por suas empresas não atinja o teto estabelecido pela Previdência oficial.

Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) –No início, a previdência dos pastores luteranos no Brasil estava vinculada a caixas de aposentadoria da Alemanha, sede da denominação. Em 1916, surgiu a Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Pastores (CAPP), mais tarde substituído pelo Fundo Especial de Ressarcimento e Amparo Pecuniário. Desde 1993, a IECLB mantém o Luterprev – Entidade Luterana de Previdência Privada.

Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) – Há 15 anos, oferece planos de previdência complementar a seus pastores. Os custos são divididos entre o titular, a igreja local e o Supremo Concílio da denominação. O objetivo é complementar a renda que cada um receberá do INSS na inatividade.
De modo geral, as igrejas evangélicas promovem o recolhimento de seus pastores junto à Previdência oficial, com ou sem desconto no salário, ou estabelecem que cada um contribua através do chamado carnê de autônomo.
Fonte: http://www.cristianismohoje.com.br/materia.php?k=103

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Canonicidade Bíblica


Canonicidade Bíblica Introdução
Praticamente não nos envolvemos em debates acerca da composição e extensão das Escrituras do Antigo e Novo Testamento. Isso porque já nascemos com uma Bíblia na mão, não importa a tradição. As Sociedades Bíblicas já nos entregam a “bíblia” pronta e não percebemos que a “Coleção de Escritos” ali contida tem um longo processo de formação e calorosas discussões. Premissas acerca da Autoridade da Igreja, Inspiração dos Textos Sagrados, de sua Preservação, da Revelação e outros assuntos são subjacentes à Canônica 1
Embora o resultado da forma final das “bíblias”2  seja decisão Conciliar como veremos abaixo, é preciso um exame histórico-teológico da questão. Como diz F. F. Bruce3 :

A crença cristã histórica é que o Espírito Santo, que presidiu à formação de cada um dos livros, também lhes dirigiu a seleção e incorporação, continuando assim a cumprir à promessa do Senhor de que ele guiaria os discípulos a toda verdade. Isso, no entanto, só pode ser discernido por uma percepção espiritual, e não por uma pesquisa histórica. Nosso propósito, então, é averiguar o que a pesquisa histórica revela sobre a origem do cânon neotestamentário. Alguns dirão que nós aceitamos os vinte e sete livros do Novo Testamento pela autoridade da Igreja, mas mesmo assim como essa instituição veio a reconhecer esses livros, e nenhum outro mais, como dignos de serem colocados no mesmo nível de inspiração e autoridade do cânon do Antigo Testamento?
Essas indagações nos conduzem a ver que muitos aspectos importantes acerca do Cânon ainda precisam ser debatidos. Para muitos, algumas questões resolvem-se apelando para as mesmas decisões conciliares. Por exemplo, entre os Protestantes, especialmente aqueles ligados à Confessionalidade Histórica, pode-se simplesmente apelar para uma Confissão e dar a discussão por encerrada. Vejamos o caso de nossos Símbolos, especialmente em sua Confissão de Fé. No Capítulo I e § 2 e 3, diz o Símbolo sobre a extensão do Cânon:

II. Sob o nome de Escritura Sagrada, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do Velho e do Novo Testamento, que são os seguintes, todos dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e de prática: O Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, I Samuel, II Samuel, I Reis, II Reis, I Crônicas, II Crônicas, Esdras, Neemias, Ester, Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Isaías, Jeremias, Lamentações de Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. O Novo Testamento: Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos, Romanos, I Coríntios, II Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I Tessalonicenses, II Tessalonicenses, I Timóteo, II Timóteo, Tito, Filemon, Hebreus, Tiago, I Pedro, II Pedro, I João, II João, III João, Judas, Apocalipse. III. Os livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do cânon da Escritura; não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados senão como escritos humanos.

Note que a CFW apresenta os 66 livros como o temos hoje nas Bíblias Protestantes, bem como a rejeição dos livros chamados apócrifos, mas não apresenta os critérios para esta coleção. Houve um longo processo histórico para aceitação e, ainda hoje, pelo menos entre os Protestantes, não há mais discussão sobre tal extensão.4  No entanto, as Bíblias Católicas possuem uma extensão diferente dos Protestantes.
O estudo do Cânon é importante para que se possa obedecer a Deus de forma correta e não incorrer em morte: “Porque esta palavra não vos é vã, antes é a vossa vida; e por esta mesma palavra prolongareis os dias na terra a qual, passando o Jordão, ides a possuir” (Dt 32. 47).
Nome e Conceito (Canonicidade e Apócrifos) 5
A palavra Cânon (kanw,n), de origem semita, significa cana de medir ou régua. Segundo informa Philipp Vielhauer,6  o uso figurado do termo foi aplicado a diversas áreas: estética, gramatical, hermenêutica, ética, filosófica e religiosa. Passou a ter, então, o sentido de norma ou regra. O termo aparece 62 vezes no AT (Jó 31. 22; Is. 46. 6; 2 Rs. 18. 21).
No Novo Testamento (NT) a palavra kanón aparece 4 vezes: em Gl 6. 16: “e, a todos quantos andam conforme esta regra”; Paulo usa no sentido de regra moral ou lei moral e em 2Co. 10. 13, 15, 16, onde aparece respectivamente “reta”, “nossa regra”, “além”, com o sentido de esfera de ação demarcada por Deus.
Entre os Pais da Igreja, pode-se verificar que Clemente de Roma usa a palavra como “cânon de obediência”. Clemente de Alexandria chama a harmonia do Antigo e NT de “cânon eclesiástico”. Irineu, em referência ao Credo Batismal, o chama-o “Cânon da Verdade”(kanw.n tn/j avlhqei,aj). Policarpo chama o Evangelho de “Cânon da Fé”. As Sagradas Escrituras foram chamadas de “regra (cânon) de todas as coisas”, enquanto Isodoro de Pelúsio a chama de “divinas Escrituras, Cânon da Verdade”. Muitos são testemunhos antigos que poderiam ser alistadas aqui para mostra que o termo “cânon” já estava sendo utilizado como um padrão, uma regra.
É óbvio que a Igreja em si não precisou formar para si a ideia de um cânon,7  até porque o Cristianismo, como descendente do Judaísmo (At 9.2;24.5,14;28.22), não estava sem uma “Escritura Sagrada”. Simplesmente, o Cristianismo recebeu como Palavra de Deus as “Antigas Escrituras” como autoridade a priori.8  As palavras de Benjamin Warfield são interessantes aqui. Diz ele:
A igreja cristã não precisou formar para si a ideia de um ‘cânon’ [...], ou seja, de uma coleção de livros dados por Deus para ser a regra autoritativa de fé e prática. Ela herdou esta ideia da igreja judaica, juntamente com a coisa em si, as Escrituras judaicas, ou o cânon ‘do Antigo Testamento’ [...] A igreja cristã, portanto, nunca existiu sem a ‘Bíblia’ ou sem um ‘cânon’ 9
Porém, o termo Cânon foi aplicado aos escritos do AT/NT no 4.º século e isso em dois sentidos: 10 primeiro, como “registro oficial”, um “catálogo”, aplicado à lista dos livros reconhecidos na Igreja como escritos sagrados. No segundo sentido, o termo foi usado como “norma normans” (norma normativa), aplicado à Coleção de Escritos Sagrados como regra de ensino e vida de igreja pelo conteúdo destes escritos. Portanto, quando a Igreja Cristã recebeu e confirmou a lista dos livros aceitos e recebidos como inspirados, a palavra cânon passou a ser usada para expressar o conteúdo das Escrituras como se encontra nestes livros. Assim, “cânon é o corpo de escritos havidos por únicos possuídos de autoridade normativa para a fé cristã, em contraste com os escritos que não o são, ainda que contemporâneo”.
Quanto ao termo “apócrifo” (gr. Apokryphos), que significa “oculto”, “secreto” ou “escondido”. Segundo Geisler,11  o termo “geralmente se refere a livros polêmicos do AT que os protestantes rejeitam e os católicos romanos e as igrejas ortodoxas aceitam”. Porém, os que aceitam tais livros os chamam de “deuterocanônicos”, distinguindo, assim, dos livros do Cânon Judaico (AT) chamado de Protocanônico.
O termo foi aplicado primariamente a “livros místicos de sentido obscuro e esotérico que só se deveriam colocar nas mãos de uns poucos iniciados, capazes, por isso mesmo, de os entenderem, pois ao povo em geral eram inteiramente ininteligíveis”.  Assim foi chamado o livro de Zoroastro. Posteriormente o termo passou a designar a literatura espúria, falsa ou fictícia e, por fim, aos heréticos. Daí “entre os cristãos”, diz Bentezen , o termo significar os “escritos que estão excluídos do Cânon”. Entre os Judeus havia um termo para diferenciar entre os Canônicos e Apócrifos: “os que mancham as mãos” e “os que não mancham as mãos”.
A Revelação Auto-Autenticada de Deus – Critério Primeiro para Canonicidade 14
Para nossa discussão neste escrito, propomos estudar o tema do Cânon começando com o pressuposto da Revelação de Deus. Primeiro, porque, como Cristãos, justificamos nossas crenças no próprio Deus e não nas opiniões ou especulações humanas. Sendo assim, a Revelação é a garantia de nosso conhecimento. Na Luz do Senhor vemos a Luz (Sal 36.9). Ora, se em Cristo Jesus estão escondidos todos os tesouros da sabedoria, então o princípio de nossa sabedoria começa com o Senhor Jesus e sua revelação auto-autenticada (Col 3.2).
Sendo assim, primeiramente trataremos da auto-autenticação dos Documentos Bíblicos, percebendo que não é a Igreja que tem autoridade sobre as Escrituras, mas, sim ao contrário: as Escrituras, sendo Revelação de Deus, têm autoridade sobre a Igreja. Diferente dos Romanistas, não repousamos a nossa fé na Tradição, mas sobre o testemunho de Deus como registrado em sua Palavra.15  São apropriadas as palavras de Charles Hodge16

Não cremos que o Novo Testamento seja divino com base no testemunho da Igreja. Aceitamos os livros incluídos nas Escrituras canônicas sobre a dupla base da evidência interna e externa. Pode-se provar historicamente que esses livros foram escritos por homens cujos nomes carregam; e pode-se também provar que esses homens foram instrumentos devidamente autenticados do Espírito Santo. A evidência histórica que determina a autoria do Novo Testamento não é exclusivamente a dos pais cristãos. O testemunho dos escritores pagãos é, em alguns aspectos, de maior peso que o dos próprios pais. Podemos crer no testemunho da testemunho da história inglesa, eclesiástica e secular, de que os Trinta e Nove Artigos foram elaborados pelos reformadores ingleses, sem sermos tradicionalistas. De igual forma, podemos crer que os livros do Novo Testamento foram escritos pelos homens cujos nomes carregam sem admitir a tradição como parte da regra de fé. Além disso, a evidência externa de qualquer gênero é uma parte bastante subordinada do fundamento da fé protestante nas Escrituras. Esse fundamento é principalmente a natureza das doutrinas nela reveladas, bem como o testemunho do Espírito, com e pela verdade, ao coração e à consciência. Cremos nas Escrituras pela mesma razão que cremos no Decálogo.
Sendo assim, o fundamento para aceitação dos Livros autoritativos independe de alguém reconhecer ou não sua canonicidade. Antes, a “natureza (ou razões) da canonicidade é, portanto, logicamente distinta da história (ou reconhecimento) da canonicidade”. 17 Então, de que depende? Tenho, dentro deste arcabouço pressuposicional, que dois fatores são primordiais. O primeiro, a Inspiração torna a autoridade de um livro reconhecidamente divino. Se Deus falou, o que ele diz é autoridade suficiente. Na entrega de Sua Palavra, Deus mesmo é a sua garantia Cf. Gn 22. 16; Hb 6.13). Independente da resposta humana, os escritos são, em si mesmo, canônicos. A Escritura, portanto, não se torna divina através de reconhecimento individual ou coletivo18 . Pode parecer que esse critério seja subjetivo, mas não é. Antes, ele é corroborado pela própria Escritura (Deut. 4.2; Pv 30. 5, 6; Apoc. 22. 18, 19). 19 Segundo, aliado à Inspiração, temos também a Providência. Nem tudo que Deus revelou foi preservado ou escrito (Nm 21.14; Js 10. 31; 2Cro 9.29; 12.15; Jo 21.25; 1Co 5.9; 12.28; 2Co 2.4; 7.8; 12.4, 7; Rev. 10.4), nem por isso era menos autoritativo do que o que foi escrito e preservado. O Cânon para e da igreja, então, deve ser aquele que foi inspirado e preservado.20
Nesse sentido, o que temos? Das coleções mais antigas da Bíblia, iniciando pelos Dez Mandamentos,21  quando o próprio Senhor escreveu as Tábuas (Êx. 31.18), lemos também: “E aquelas tábuas eram obra de Deus; também a escritura era a mesma escritura de Deus, esculpida nas tábuas”(Êx 32.16; Dt 4.13; 10.4). As Tábuas foram guardadas e preservadas na Arca da Aliança (Dt 10.5). A partir daí, a revelação escrita e que seria preservada cresce por meio da daqueles a quem o Espírito Santo falou (2Pe 1.21). Desse modo, Moisés, como profeta de Deus (Dt 34.10), recebeu de Deus a ordem para escrever sua revelação (Dt 31. 24 – 26; Êx 17.14; 24.4; 34.27; Nm 33.2; Dt 31.22). O mesmo se deu com Josué (Js 24.26). Wayne Grudem chama a atenção de que esse acréscimo feito por Josué seria impensável frente à advertência de nada acrescentar à Palavra de Deus (Dt 4.2; 12.32). 22 A conclusão é que, ou Josué desobedeceu ou que estava tão certo de que o que ele escrevia era revelação autorizada de Deus. Os Escritos de Moisés foram recebidos como Palavra de Deus. Por exemplo, de Josué, que recebeu a ordem de estudar e guardar as palavras reveladas a Moisés (Js 1. 7,8) a Malaquias (4.4 – 6), a Lei revelada a Moisés considerada como a Palavra de Deus, não sendo preciso um concílio (ou a antiga igreja) a definir sua canonicidade.
Especialmente relevante é o aumento dos escritos por parte dos profetas (Cf. 1Sm 10.25; 1Cr 29.29; 2Cro 20.34; 1Rs 16.7; 2Cr 26.22; 32.32; Jr 30.2). A partir de então, cada escrito inspirado era reconhecido (testemunho interno do Espírito Santo?) por outros profetas. Daniel (9.2) reconheceu a autoridade dos escritos de Jeremias (25. 11, 12)23.  O mesmo aconteceu com o trato que Jeremias deu a Miquéias(Jr 26.18), que o precedeu 125 anos antes.24  Por volta de 435 a.C, já não mais havia acréscimo ao que ficou conhecido como “Tríplice Divisão”. Na literatura judaica após este período, estabelecido estava a certeza que não mais havia novas palavras dos profetas. Por exemplo, em 1Macabeus (9.27) se diz: “Israel caiu numa tribulação tão grande como não houvera desde que cessaram os profetas”.  Sabedoria de Ben Siraque, também conhecido como Eclesiástico (c. 200-180), já mostra que o Antigo Testamento encontrava-se organizado em “a Lei, os Profetas e os outros Escritores”(Prólogo. Cf. 49.8 -10; 44 – 50). O segundo livro de Macabeus (c. 104-64 a.C; 2.13) relata os livros sagrados já reconhecidos, entre eles as “Memórias de Neemias”, os “livros referentes aos reis e aos profetas, os escritos de Davi e as cartas dos reis sobre as oferendas”. Digno de nota é que, já no período cristão, não encontramos absolutamente nenhuma discussão entre Jesus e os Líderes Religiosos de Israel sobre a extensão do Cânon do Antigo Testamento. Antes, as referências às Divisões do Antigo Testamento são abundantes (Lc 24.44; Cf. Mt 5.17; Lc 16.16,17).  26

O mesmo pode ser dito Acerca do Novo Testamento. A comunidade cristã primitiva recebeu o Antigo Testamento como o temos hoje (Cf. Rm 3.2). Aqueles que foram comissionados por Cristo estavam cientes de que suas palavras eram revelação, a ponto de colocarem-na ao lado do Antigo Testamento. Segundo Vilhauer.27

O fato de que o cristianismo primitivo possui, desde o início, uma “Escritura Sagrada” no posteriormente assim chamado AT e que o usava, fornece critérios para o reconhecimento da canonicidade de um escrito cristão: um escrito cristão somente atingiu a categoria de uma ‘escritura sagrada’, portanto, validade canônica, quando é tratado do mesmo modo como o AT. Isso quer dizer, quando é usado como grafh,, e isso se revela no modo de citação. Portanto não já pelo simples fato de um escrito cristão ser citado tacitamente em outro escrito, e, sim, primeiro quando é citado, como o Antigo Testamento, como grafh, - por meio de fórmulas como le,gei h` grafh, (Gl 4.30), w`j kaqw.j ge,graptai (1Co 1.31; Rm 1.17, et passim), ou le,gei to. pneu/ma to. a[gion (Hb 3.7) – ele está no mesmo nível do AT, Sagrada Escritura, “canônico”.
Percebemos que o critério revelacional, ao invés do institucional, foi prioritário na aceitação de um corpus canônico neotestamentário. O reconhecimento Apostólico28,  à semelhança do reconhecimento profético, estava no fundamento para a autoridade do Novo Testamento. Tal como no Antigo Testamento, o Novo Testamento também fornece as indicações de sua canonicidade. Por exemplo, acerca das Cartas Paulinas, elas deveriam ser lidas publicamente nas igrejas. Em 1Tessalonicenses 5.27, Paulo “conjura” “pelo Senhor” que sua epístola fosse lida em todas as igrejas. Essa ordem só faria sentido dentro da concepção de que o que Paulo escrevia teria que ser considerado ensinamento do Senhor para a Igreja (Cf. Col 4.16). Com essa convicção, Paulo considerava que suas palavras eram aquelas que o “Espírito Santo” ensinava (1Co 2.13) de modo que suas instruções eram de autoridade divina. Diz o Apóstolo: “Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor”(1Co 14. 37). Não por menos que a Igreja recebeu seus escritos como Palavra de Deus (1Tes 2.13; 2Tes 2.15) e que aqueles que não atentassem para suas Palavras, não deveriam ter associação com os Crentes. Diz ele: “Mas, se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai o tal, e não vos mistureis com ele, para que se envergonhe”(2Tes 3.14). De igual modo, outros escritos apostólicos também foram colocados lado a lado com o Antigo Testamento. Assim fez Pedro, por exemplo, pondo as Cartas de Paulo29 ao lado das “demais Escrituras” que eram deturpadas pelos indoutos. Paulo também não tem o menor constrangimento ao ladear, chamando de Escritura, as palavras de Moisés junto ao Evangelho de Lucas (1Tm 5.18; Dt 25.4; Lc 10.7). De acordo com o argumento de Grudem: 30

Se aceitamos os argumentos favoráveis ao ponto de vista tradicional da autoria dos escritos neotestamentários, então a maior parte do Novo Testamento pertence ao cânon por causa da autoria direta dos apóstolos. Isso incluiria Mateus; João; Romanos a Filemon (todas as epístolas paulinas); Tiago; 1 e 2 Pedro; 1, 2 e 3 João; e Apocalipse.
Mas, não consta acima os Evangelhos de Marcos, Lucas, Atos, Hebreus e Judas. Ora, o que sabemos acerca de Jesus Cristo depende da palavra escrita nestes Evangelhos. A proximidade dos relatos nas narrativas é tanta que, a rejeição de um deles implicará a rejeição dos outros.31  Por exemplo, 606 dos 661 versículos de Marcos aparecem em Mateus. Dos 1068 versos de Mateus, cerca de 500 também se acham em Marcos. Há apenas 31 versos que estão em Marcos, mas não estão em Mateus e Lucas.32  A relação entre Lucas e Mateus e Marcos é também considerável. Mateus e Lucas possuem 250 versos em comum, sem qualquer paralelo com Marcos. Ou seja, Mateus e Lucas compartilham de informações que Marcos não possui. Lucas compartilha 380 versos com Marcos, embora com poucas variações. Se o Evangelho de Lucas é, então, aceito como canônico pela comunidade primitiva, o mesmo se deu com Atos, também escrito por Lucas. Além do mais, tais escritos não apostólicos circularam lado a lado com os Escritos Apostólicos, tendo, portanto, o testemunho pessoal dos Apóstolos para confirmação da autoridade divina dos livros. 33
Em tudo isso, verificamos que os Escritos Apostólicos, diferentemente dos Apócrifos, foram recebidos como um “corpo de verdade”, um “depósito”(1Tm 6.20, 21; 2Tm 2.14) ou, como diz o escritor Judas, “a fé que uma vez foi dada aos santos”(Jd 3), certamente pelos Apóstolos e Profetas, os Fundamentos da Igreja (Ef 2.20), de cujas palavras os Cristãos deveriam lembrarem-se (Jd 17).
Frederick F. Bruce,34  após exaustiva pesquisa sobre a formação do Cânon, escreveu: “Portanto, todas as reivindicações para transmitir uma  revelação adicional... são alegações falsas... se estas reivindicações são incorporadas nos livros que visam substituir ou completar a Bíblia, ou assumir a forma de extra-tradições bíblicas, tais reivindicações são proclamadas como dogmas pela autoridade eclesiástica”
E os outros escritos? Aplicação da abordagem pressuposicional do Cânon das Escrituras
Bom, alguém talvez possa objetar afirmando que o que foi escrito acima também possa ser aplicado aos Apócrifos (ou ao Corão, ou aos Vedas etc), visto que a Igreja Romana aceita os “deuterocanônicos”. No entanto, não foi se não em 1546, no Concílio de Trento, que a Igreja adotou tais livros oficialmente. Historicamente, alguns dos Pais aceitaram alguns Apócrifos do Novo Testamento. Por exemplo, a Epístola de Barnabé (c. 70-79 d.C), escrita por Clemente de Alexandria, faz parte do Códice Sinaítico, manuscrito do século IV. Ao mesmo tempo, escritos apostólicos tiveram sua autenticidade duvidada, como foi o caso de Hebreus, Tiago e Judas.
Não é que o testemunho histórico seja sem importância. Historicamente, os 27 livros do Novo Testamento já eram aceitos na comunidade pós-apostólica desde cedo. D. A. Carson35  diz que “os quatro evangelhos, Atos, as 13 epístolas paulinas, 1 Pedro e 1 João são universalmente aceitos já bem cedo; a maior parte do restante do cânon do Novo Testamento já está estabelecida à época de Eusébio (c. 260 – 340 d.C)”. Porém, a primeira lista a incluir apenas os 27 livros como o temos hoje, é datada de 367 d.C numa carta escrita por Atanásio à igreja de Alexandria. No Ocidente, o debate sobre a composição do Novo Testamento como o que temos hoje encerra-se no Terceiro Concílio de Cartago (397), tendo a presença de Agostinho.
A despeito disso, devemos sempre apelar para a autoridade final da Revelação. Os Protestantes, além dos fatores históricos, devem rejeitar os Apócrifos (AT/NT) com base na reivindicação da autoridade final, especialmente na coerência da revelação. Como exemplo, podemos contrastar as palavras de Paulo em Primeira Coríntios 14.37, 38; em Gálatas 1.8 com as palavras do autor de Segundo Macabeus. Enquanto Paulo diz “se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor”(1Co 14.37), o autor de Macabeus diz: “Assim terminou a história de Nicanor. Como desde esse tempo a cidade ficou em poder dos hebreus, eu também porei aqui o ponto final em nossa história. Se consegui deixá-la bem escrita e construída, isso é o que eu queria. Se saiu vulgar e medíocre, fiz o melhor que podia”(2Mc 15.37,38). Em outra ocasião, o próprio autor de Macabeus reconheceu que são “com textos da Lei e dos Profetas” que se devia exortar ao encorajamento (15.9). Tais escritos não foram recebidos pelos crentes da Antiga nem da Nova Aliança.
Sem contar os erros históricos, éticos e teológicos contidos em tais livros36 . Por exemplo, Tobias (c. 200 a.C) alega ter vivido quando da revolta de Jeroboão (c. 931 a.C) e a conquista de Israel pela Assíria (722 a.C), embora sua idade total, conforme registro, fosse de 158 anos (Cf. Tob 1.3-5; 14.11). De acordo com Judite, o rei da Assíria era Nabucodosor (Jud. 1.1, 7). Enquanto as Escrituras ensinam que Deus criou o mundo a partir do nada (Gn 1.1; Hb 6.3), o livro de Sabedoria ensina que havia matéria (7.17) e Segundo Macabeus ensina a oração pelos Mortos (12.45, 46).
Por fim, perceba no quadro abaixo a maneira correta de discutir o assunto: 37


 Idéia Incorreta de Canonicidade  Idéia Correta de Canonicidade
A Igreja é a Determinadora do Cânon.   A Igreja é a Descobridora do Cânon.
A Igreja é a Mãe do Cânon A Igreja é a Filha do Cânon.
 A Igreja é o Magistrado do Cânon.   A Igreja é a Ministra do Cânon.
 A Igreja é a Reguladora do Cânon.   A Igreja é a Reconhecedora do Cânon.
 A Igreja é o Juiz do Cânon.   A Igreja é a Testemunha do Cânon.
 A Igreja é a Mestra do Cânon.   A Igreja é a Serva do Cânon.

Conclusão

Obviamente, questões outras são levantadas e passíveis de muitas discussões. Dentre elas, a do fechamento do Cânon e a se há ou não a possibilidade de novas revelações escritas.
Obviamente, questões outras são levantadas e passíveis de muitas discussões. Dentre elas, a do fechamento do Cânon e a se há ou não a possibilidade de novas revelações escritas. Porém, talvez a mais contemporânea seja a desconfiança do Cânon como o temos hoje. Especialmente no ressurgimento dos escrito Gnóstico38  e por Críticas cinematográficas ao Cristianismo Tradicional ,39 mas não menos em segmentos que agora não se denominam mais como igrejas.40  No primeiro caso, a crítica é histórica, procurando compreender as razões que levaram ao Cristianismo a rejeitar os Gnósticos.41  Não é muito difícil reconhecer o motivo da rejeição dos Escritos Gnósticos. Mas que a questão retorna ao cenário, tal como nos primeiros séculos, como bem pode ser visto pelas obras polemistas do Dr. Bart Ehrman.42
O segundo caso, e para mim mais preocupante, é fruto do subjetivismo kierkegaardeano em nossa época. Por uma voz interior têm rejeitado completamente as palavras das Escrituras43 . Aliás, encontramos a formulação de um “cânon dentro do cânon”. Agora, os mais importantes são os Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João) e não as Cartas Paulinas ou mesmo o Antigo Testamento. Certo dia ouvi um líder de uma comunidade dizer: “Se o que Isaías ou Paulo dizem for contrário ao que Jesus Cristo diz, então fico com Cristo”.
Até parece extremamente piedoso, mas a implicação é que a Escritura, de Gênesis a Apocalipse, deve conter alguma contradição e, assim, não é ela toda revelação de Deus. Tal postura denunciaria, nas palavras de F.F. Bruce, 44 “uma incapacidade de apreciar o que realmente é o cânon [...]”. Além de criar duas realidades hermenêuticas: 1) a do próprio Cristo e; 2) a dos Apóstolos e Profetas. O resultado disso é a impressão de que os dois se contradizem, como se as Palavras dos Apóstolos e Profetas também não fossem as palavras de Cristo.45  Por exemplo, Pedro disse que sobre os Profetas estava o Espírito de Cristo (2Pd 1.10-12). O Evangelho de Paulo é o mesmo do de Cristo (Ef 3.1 – 11) e rejeitá-lo ou corrompê-lo é tornar-se anátema (Gl 1.8). Desse modo podia Jesus dizer que consultando Moisés, os Profetas e os Escritos, encontrar-se-ia o próprio Cristo, a vida eterna (Jo. 5.39). A promessa feita a Abraão é chamada de Evangelho (Gal 3. 6) e quem fez esta promessa foi a Escritura!
Para os neo-evangélicos, sempre que alguma coisa soar (leia-se as palavras dos Profetas ou Apóstolos) diferente do que supostamente Jesus falou,46  fica-se com o nível infalível (as palavras que concordam com Cristo) e rejeita-se o nível falível (as outras palavras). A conclusão seria: NEM toda ESCRITURA é DIVINAMENTE inspirada. E também: ALGUMAS profecias da Escritura SÃO de PARTICULAR INTERPRETAÇÃO (dos Profetas e Apóstolos).
A posição, portanto, é contraditória e perigosa. Assim, a implicação de tal postura é uma espécie de fideísmo. Porém, não temos Cristo sem Escritura; não temos Escritura sem Cristo. É Christus, Solus Christus EM Tota Scriptura, Sola Scriptura!

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1 A ciência bíblica responsável pela História da Bíblia, sua Formação e Conteúdo é chamada de Isagógica.  Dentro da Isagoge há a disciplina que trata da doutrina do Cânon e as razões para se ter os livros que se tem hoje, bem como os motivos de rejeição de outros; chama-se Canônica (KERR, 1952). Ela estuda a história da fixação do Cânon e é necessário que assim seja, pois as Escrituras não foram escritas todas de uma só vez. Por cerca de quase 1500 anos e cerca de 40 autores estavam envolvidos na tarefa de anunciar e registrar a Revelação de Deus primeiramente ao Seu povo e depois a todos os homens.
2 Sim, bíblias no plural, visto que nas tradições Católicas e Protestantes, existem “bíblias diferentes” quanto à extensão, tema de nosso escrito.
3BRUCE, F.F. Merece Confiança o Novo Testamento? 3ªd. Revisada. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2010, p. 29.
4Apesar de que haja acordos entre algumas Sociedades Bíblicas para igualar a extensão. Os livros chamados “deuterocanônicos”  ficariam no final das Bíblias Protestantes.
5Para um tratamento exaustivo de usos e definições, Cf. COSTA, Herminsten Maia Pereira. A Inspiração e Inerrância das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p. 15 – 62.
6 VIELHAUER, Philipp. História da Literatura Cristã Primitiva – introdução ao Novo Testamento, aos Apócrifos e aos Pais Apostólicos. Santo André: Acadêmica Cristã, 2005, p. 803.
7 WARFIELD, Benjamin B. A Inspiração e Autoridade da Bíblia – a clássica doutrina da Palavra de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 331.
8 VILHAUER, idem, p. 805. Cf. SCHREINER, Josef. O Novo Testamento na Vida da Igreja. In: SCHREINER, Josef;  DAUTZENBERG, Gerhard. Formas e Exigências do Novo Testamento. 2ed. São Paulo: Ed. Teológica, 2004, p. 433 – 453.
9 WARFIELD, idem, p. 331.
10 VILHAUER, idem, p. 804.
11GEISLER, Norman. Enciclopédia Apologética – resposta aos críticos da fé cristã. São Paulo: Vida Acadêmica, 1999, p. 47ss.
12 KERR, Guillherme. O Cânon do Antigo Testamento. São Paulo: Imprensa Metodista, 1952, p. 143.
13 BENTEZEN, Aage. Introdução ao Antigo Testamento. vol. 1. 5ed. São Paulo: ASTE, 1959, p. 30.
14 Deixamos o aspecto histórico para um outro escrito.
15 HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 95..
16Idem, p. 96.
17 BAHNSEN, Greg. L. The Concept and Importance of Canonicity. Antithesis I:5 (Sept./Oct., 1990). Covenant Media Foundation. Disponível: < http://www.cmfnow.com/articles/pt093.htm>.
18Idem.
19Nem tampouco o raciocínio circular. O que estamos fazendo é apelando para um critério último de autoridade. Em qualquer filosofia ou estudo, sempre se tentará apelar para uma “autoridade última ou fundamental”. Ou seja, consciente ou inconscientemente, alguém pressuporá algum tipo de autoridade final: Razão, Sensação, Revelação etc. Para mais informações, Cf. FRAME, John. Apologética para a Glória de Deus – uma introdução. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 17 – 20. Do mesmo autor consultar. A Doutrina do Conhecimento de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 146 – 148.
20Veja como, daqui, é possível, então, extrair o segundo fator apresentado por Hodge: o histórico.
21Cf. GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 28, 29.
22Idem, p. 29.
23De acordo com o Dr. Walter C. Kaiser Jr. (The Old Testament Documents – Are they reliable and relevant? Downers Grove, Ill: IVP, 2001, p. 33), na passagem de Daniel 9.2, o profeta se refere aos escritos de Jeremias demarcando-o pelo artigo: os livros. Isso é interessante porque dá-nos a entender já haver um grupo chamado “os livros”.
24KAISER, idem, p. 33.
25SCHÖKEL, Luís Alonso. Bíblia do Peregrino. São Paulo: Paulus, 2002 (itálicos meus). A versão Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulinas, 1993) diz: “foi esta uma grande tribulação para Israel, qual não tinha havido desde o dia em que não mais aparecera um profeta no meio deles”
26O Cânon Hebraico se compõe de três partes (SELLIN, E.; FORHER, George. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Acadêmica Cristã/Paulus, 2007, p. 690, 691. ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura – a doutrina reformada das Escrituras. São Paulo: Os Puritanos, 1998, p. 35) como se segue abaixo:
a. Torah (Lei): Equivale ao Pentateuco – Gênesis, Êxodo, Levíticos, Números e Deuteronômio;
b. Nebhiim (Profetas): Divide-se em Rishonim (Primeiros) – Josué, Juízes, Samuel e Reis. E Akharonim (Posteriores) – Isaías, Jeremias, Ezequiel e Profetas Menores.
c. Ketubhim (Escritos): Subdivide-se em três grupos: Poéticos – Salmos, Provérbios e Jó; Megilloth (Rolos) – eram lidos nos anos litúrgicos – Cantares (Páscoa), Rute (Pentecostes), Lamentações (Quinto Mês), Eclesiastes (Festa dos Tabernáculos) e Ester (Festa de Purim); Históricos – Daniel, Esdras, Neemias e Crônicas.
27Idem, p. 807.
28Isso não quer dizer que todos os livros do Novo Testamento, para ser considerado canônico, deveriam ser escrito por um Apóstolo. A autoridade delegada dos Apóstolos a um colaborador também foi reconhecida. Veja abaixo.
29Ainda é discutido se já havia aqui um Corpus Paulinum completo.
30Idem, p. 34.
31Não temos, aqui, espaço para tratar do Problema Sinótico. Recomenda-se, neste caso, o livro de F.F. Bruce já citado na bibliografia.
32BRUCE, idem, p. 41, 42.
33Note que não seria difícil para os Apóstolos fazerem objeções sobre tais escritos (Gl 1.8-10; 2Tes 2.2; Jd 3, 4)
34Apud BAHNSEN, idem.
35CARSON, D.A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1997, p. 548.
36BAHNSEN, idem.
37GEISLER, idem, p. 48, 108.
38 Escritos datados do final do século II,  mas descoberto em 1946 Nag Hammadi, no Egito.
39 Especialmente nas ficções de Dan Brown. Cf. BROWN, Dan. O Código da Vinci.  São Paulo: Sextante, 2004.
40Agora são “comunidades”, “estações”, “projetos”, “ação” etc.  Em muitos casos, se opõe a aquilo que chamam de “instituição”. No entanto, tentando evitar as instituições, criam outras não tão institucionais assim, menos burocráticas e, supostamente firmadas na graça, quando as outras que não elas estão na desgraça.
41 Como não temos espaço aqui para discutir o assunto, recomendo o livro de JONES, Peter. A Ameaça Pagã – Velhas heresias para uma nova era. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.
42 EHRMAN, Bart D. Lost scriptures: books that did not make it into the New Testament. New York: Oxford University Press, 2003. The lost Gospel of Judas Iscariot: a new look at betrayer and betrayed. New York: Oxford University Press, 2006.  Lost Christianity: The Battles for Scripture and the Faiths We Never Knew. New Yok: Oxford University Press, 2003. Jesus, Interrupted: Revealing the Hidden Contradictions in the Bible (and Why We Don’t Know About Them). HarperCollins, 2009. Em cada escrito, a crítica do Dr. Ehrman dirige-se à autenticidade, credibilidade, inspiração, canonicidade e preservação das Escrituras do Novo Testamento e do Cristianismo. Não é possível, neste espaço, oferecer as respostas aos problemas levantados pelo Dr. Ehrman. É suficiente dizer, por enquanto, que os problemas levantados pelo Dr. Ehrman não são novos. Os interessados podem visitar o Ehrman Project, responsável por oferecer sólidas respostas bíblicas, teológicas, históricas e filosóficas aos questionamentos do Dr. Ehrman. Visite: http://ehrmanproject.com/index.
43Chamo a atenção para uma reivindicação semelhante nos tempos de João Calvino(Inst. Livro I, cap. IX. Tradução da UNESP).  Lá ele diz(§1): “Com efeito, há pouco emergiram alguns transtornados que, arrogando-se pretensiosamente o magistério do Espírito, desprezam a leitura e a simplicidade daqueles que seguem, como dizem eles, a letra morta e que mata. Gostaria de saber deles quem é esse espírito por cujo sopro de grandeza são tão arrebatados que ousam desprezar como simples e pueril a doutrina da Escritura. Pois, se respondem que é o espírito de Cristo, tal certeza é muito ridícula, pois concordam que os apóstolos de Cristo e os outros fiéis da primeira Igreja não foram iluminados por outro espírito. E nenhum deles, no entanto, aprendeu daí a desprezar a palavra de Deus, mas antes cada um foi impregnado de um grande respeito por ela, como seus próprios escritos atestam muito bem”. E ainda (§3): “Pois a Lei do Senhor é letra morta e mata os que a lêem se a graça de Cristo; soa somente aos ouvidos, sem tocar o coração. Mas, se é eficazmente impressa nos corações pelo Espírito, exibe o Cristo e é palavra de vida, convertendo as almas, emprestando sabedoria aos pequenos etc. [...Os filhos de Deus] não conhecem outro Espírito que não aquele que nos apóstolos habitou e falou, por cujos oráculos são frequentemente chamados à audição da Palavra”(grifos meus). Fica claro que, se os neo-evangélicos não conseguem ver Cristo em Isaias ou em Paulo, então não é o Espírito de Cristo quem os guia.
44BRUCE, F.F. O Cânon das Escrituras. São Paulo: Hagnos, 2011, p. 256.
45Há algumas Bíblias no Brasil que destacam as palavras de Cristo em vermelho. Numa reunião de instrução ou ensino, alguém logo apela dizendo: “mas essas são as palavras de Cristo”.
46Digo supostamente porque o neo-evangélico precisará confiar, sob base alguma a não ser sua subjetividade, no que Mt, Mc, Lc e Jo disseram DE e SOBRE Jesus, visto Jesus Cristo não haver deixado absolutamente nada escrito, ao contrário, por exemplo, das Tábuas da Lei (Êx 32.16).
FONTE:http://www.teologiabrasileira.com.br/teologiadet.asp?codigo=255

APRENDENDO A DEPENDER DE DEUS Josué – 7:1-26.


Após a conquista sobrenatural de Jericó, Josué e o povo de Israel tomados pela empolgação da vitória anterior esqueceram-se de alguns princípios básicos que tem sido também a causa da desgraça de muitas pessoas na atualidade: AS VITÓRIAS EM NOSSAS VIDAS SÃO PROVENIENTES DA AÇÃO DE DEUS! E elas só veem se obedecermos aos padrões dEle. Foi assim em Jericó e é assim sempre. A cidade de Ai era menor e menos protegida do que Jericó, pelo que deveria ser conquistada com maior facilidade, se Jericó caiu, Ai seria mais fácil. Cuidado com os sentidos humanos, pois eles podem te enganar, nossa vida deve ser vivida na total dependência e direção de Deus. Vejamos os erros cometidos por Josué, pois em geral, só nos atentamos para o pecado de Acã, mas houve alguns erros por parte do líder e que contribuíram para o vexame em Ai:
NÃO PODEMOS NEGLIGENCIAR A ORAÇÃO: Se ao invés de orar depois do problema como fez (Js. 7:6-9), Josué orasse quando viu o problema (início do cap.7), Deus lhe revelaria como o fez em Js. 7:10, seria evitado toda aquela vergonha e também a perda de 36 homens (7:5). A arrogância tem sido a fatalidade de muitos homens chamados para vencer, eles têm começado muito bem em suas vidas ministeriais, mas esquecem-se do que Jesus disse: “sem mim, nada podeis fazer!” Josué até planejou o ataque visto que da mesma forma que ele enviou espias a observarem Jericó, o mesmo ele faz com esta cidade, no entanto, por mais que o homem faça planos e projetos, somente Deus pode efetivá-los; bem como o relato dos espias foi equivocado, sua compreensão da realidade era deficiente pois eles afirmaram que Ai cairia com 2.000 ou no máximo 3.000 homens (Js. 7:2-3), porém havia uma população de 12.000 habitantes e um exército de 6.000 homens que colocaram o pequenino exército judaico em retirada.
ITODOS DEVERIAM TOMAR PARTE NA BATALHA: desde a época de Moisés, o princípio de Deus era que todo o exército deveria lutar JUNTO. Quando as duas tribos e meia pediram para se apossar do território aquém do Jordão, Deus lhes permitiu com a incumbência de que somente depois deles ajudarem a todas as tribos em conquistar a Terra da Promessa, daí, eles poderiam retornar às suas propriedades. Esse princípio perpassa todo o texto sagrado, é sempre unido e reunido que o povo de Deus, a Igreja do Senhor, conquista as suas vitórias. Um reino dividido não subsiste! Ouvindo aos espias e anciãos, Josué se esqueceu do mandamento de Deus e quebrou um dos princípios de Deus para a vitória de seu povo. Quem você tem ouvido? A Deus ou aos homens? Importa “ouvir” (obedecer) a Deus sempre!
É PRECISO DESCANSAR: embora não esteja explícito no texto, entretanto, era um princípio dos povos antigos de que sempre após uma batalha, o exército precisava de um tempo para recompor suas fileiras, tratar os feridos e um descanso físico para recompor as energias individuais. O texto deixa subentendido de que não houve esse período de descanso entre Jericó e a batalha de Ai. Quantos de nós esquecemo-nos de que não somos de aço e temos negligenciado o momento de descanso. Diz o texto bíblico que Deus trabalhos 6 dias e que descansou no sétimo. E você tem descansado? Sua igreja tem tido os seus momentos de descanso? Às vezes emendamos uma campanha financeira junto da outra sem darmos tempo ao povo para descansar. Lembre-se: você precisa descansar; sua família precisa de descanso e também a sua Igreja!
Se Josué tivesse parado ele se lembraria da oração; ficaria na dependência de Deus  e não seria enganado pelos olhos humanos; também relembraria que somente juntos conquistamos e nunca sozinho. Se ele tivesse seguido os princípios divinos saberia que não era o momento da luta, pois um pecado estava afastando a presença de Deus no meio do seu povo. Quando obedecemos a Deus, Ele sempre nos mostra o que está errado conosco. Que Deus lhe abençoe!

terça-feira, 3 de abril de 2012

Somente a fé no pensamento judaico.


A teologia paulina contida em sua Epístola aos Romanos, como já exprimia certo reformador, é o refinamento de todo o pensamento de Paulo! É sem dúvida, o resumo de todo o pensamento do apóstolo sobre a salvação dos homens. Embora encontremos divergências entre Paulo e os judaizantes dentro da Igreja cristã, fato que o acompanhará até o final dos seus dias, isso não significa que o Apóstolo tivesse uma visão pejorativa ou negativa da posição da Lei para a vida do crente. Ele mesmo chega afirmar que “E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom.” (Rm.7:12). É difícil concordar com alguns autores modernos que insistem em afirma a total e descomunal separação entre os ensinos paulinos para as igrejas formadas e edificadas por ele das tradições judaicas presentes nas comunidades petrinas (ou seja, igrejas formadas por judeus), pois ele em vários momentos se apresenta como um judeu, de tradição farisaica e cumpridor da lei, bem como se utiliza de elementos judaicos para a apresentação de Jesus como o MESSIAS! Os alicerces do cristianismo no primeiro século estiveram erguidos sobre bases que tinham seus correlatos exemplificados dentro do judaísmo e até mesmo a estrutura da Igreja se assemelhava em muito a Sinagoga judaica. Porém, quando chegamos ao II século, basicamente desaparecem do cristianismo esses sinais de ligação entre a Igreja e Israel, elementos como Marcião inclusive defendem uma alienação completa da Bíblia hebraica. Dentro desse mesmo contexto surgem as bases do que posteriormente vai ficar conhecido como preterismo ou teologia da substituição que defende a substituição de Israel pela Igreja.
Mas, basicamente, é dentro do judaísmo que iremos encontrar a explicação para a maioria dos conceitos presentes nos escritos da Igreja, já que ela inicialmente é formada por elementos judaicos. O próprio Jesus declara: “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim abrogar, mas cumprir.” (Mt. 5:17). É dentro desse ambiente que entenderemos os elementos da salvação contidos na Pessoa de Jesus, pois a Igreja nunca interpretou que o cumprimento da Lei por Cristo excluiria as responsabilidades do cristão para com os desígnios de Deus contidas nela. O Sermão do Monte contido em Mateus é um exemplo cabal de que as primeiras comunidades cristãs tinham responsabilidades e um conjunto legal de regras com uma compreensão da Lei além daquelas contidas nas regras e tradições rabínicas (farisaicas). Verificamos que para a Igreja, a Lei não é simplesmente um conjunto do “que fazer ou não fazer!”, ela vai muito, além disso! O apóstolo Paulo declara para as suas comunidades que é a lei do Espírito que deve orientar as nossas vidas (Rm. 8:2), ou seja, não é um conjunto de costumes que salva o indivíduo, mas algo que ocorre em seu interior. A lei nos mostra o quanto somos falhos e maus perante Deus; ela dimensiona o quanto estamos longe dos desígnios de Deus e nos dá uma compreensão de que somente em Cristo que cumpriu todos os desígnios de Deus conseguimos ser recebidos por ele e recebermos todas as bênçãos da salvação.
Fazendo menção ao Antigo Testamento, é demonstrado pelo apóstolo que a salvação era obtida, não como um ato meritório de alguém, e isso era consenso nos escritos rabínicos de que a eleição de Israel não proveio de obras meritórias da nação, mas como ato exclusivo da graça de Deus, entretanto, ele demonstra aos seus interlocutores que o próprio Abraão é chamado de “Pai da fé” não pelos seus atos posteriores, mas sim porque ele creu no chamado e nas promessas de Deus! É preciso compreender, como bem o fazem os reformadores, que os cristãos não estão isentos de obedecerem à Lei, ela ainda continua em vigor demonstrando os princípios balizares de Deus para o homem, e quem se ufana em imaginar que por obedecerem a esses princípios são recebidos por Deus. Precisamos tomar cuidado para não deixarmos o nosso orgulho nos vencer e esquecermos que é SOMENTE POR MEIO DA OBRA DE CRISTO QUE SOMOS SALVOS!
A antiga Aliança serviu como base para o judaísmo dando-lhe uma identidade distinta dos povos pagãos e estabelecendo Israel como modelo para os povos, entretanto, os próprios autores da Bíblia hebraica já havia prescrito que ela seria temporária, pois como bem afirmou o profeta Jeremias, viria o dia em que esta lei seria substituída por outra escrita não em “pedras”, mas no coração. Enquanto este momento não chegou, ela serviu como “AIO” nas palavras de Paulo (Gl.3:24) até que fossemos justificados. Ela nos apontou para o Salvador, daí porque compreendemos e entendemos a obra salvífica de  Cristo com fundamento em seus preceitos; ela também demonstra em que terrível e condição nos encontramos perante Deus e que somente pela fé alcançamos o patamar estabelecido por Deus como bem afirmou o profeta Habacuque de que “o justo viverá pela fé.” A nova aliança não abole os princípios estabelecidos pela antiga, porém ela reorienta os seus preceitos com base no que Cristo fez e não naquilo que o homem pode fazer. A nova aliança é um recomeço para aqueles que querem viver em conformidade com a vontade de Deus.
Somente a fé não é exclusivamente um dogma cristão, pois muito antes do cristianismo, o judeu sincero e temente ao Senhor já sabia que suas obras não seriam suficientes para lhe salvar, haveria de ocorrer um ato por parte de Deus que lhe garantisse essa salvação e isto é o que encontramos na Nova Aliança realizada pelo nosso Senhor em favor de todos os homens: SOMOS JUSTIFICADOS PELA FÉ EM JESUS CRISTO!