Mais do que em gerações anteriores, os jovens crentes entre 20 e 30 têm abandonado a fé.
Por Drew Dick
Momentos importantes fazem parte da jornada de todo jovem quando
ingressa na idade adulta: a chegada à universidade, o começo da
carreira, a compra do primeiro apartamento, o casamento e – no caso de
muitos cristãos hoje em dia – o distanciamento da fé. Para cada vez mais
rapazes e moças na faixa entre os 20 e os 30 anos, tudo o que se
aprendeu ao longo de anos e anos de escola dominical infantil,
atividades de grupos de adolescentes ou reuniões de oração da mocidade
simplesmente parece perder o sentido diante da realidade da vida
autônoma e suas múltiplas possibilidades. Motivos para tal esfriamento
não faltam: o sentimento de liberdade pessoal, o convite aos prazeres
antes proibidos, a ênfase exagerada na vida profissional e no próprio
sucesso... Longe da tutela dos pais crentes, jovens que um dia eram
vistos na igreja como promissores nas mãos de Deus vão, pouco a pouco,
assumindo um estilo de vida mundano. E logo já não são nem um pouco
diferentes de seus amigos que jamais estiveram num culto.
Não há, dizem, uma razão específica. O que se alega é um certo cansaço
da vida religiosa ou a impressão de que a história do Evangelho, afinal
de contas, não é tão verdadeira assim. Todo crente conhece pessoas nesta
situação. E a quantidade de gente que deixa a igreja para trás tem
aumentado – só no Brasil, segundo o último Censo, já há cerca de 14% de
evangélicos confessos sem ligação formal com uma igreja. A tendência é
mais aguda entre os jovens adultos, e não apenas por aqui. Na última
edição da Pesquisa Americana de Identificação Religiosa, um fato chamou a
atenção. A porcentagem de americanos que responderam “sem religião”
praticamente dobrou nas últimas duas décadas, crescendo de 8,1% nos anos
90 para 15% em 2008. O estudo também observou que assombrosos 73% deles
vêm de famílias religiosas – e quase dois terços foram descritos no
estudo como “ex-convertidos”.
O resultado de outra pesquisa também foi expressivo. Em maio de 2009,
no Fórum de Religião e Vida Pública, os cientistas políticos Robert
Putnam e David Campbell apresentaram uma pesquisa descrevendo o fato de
que jovens estão abandonando a religião em “ritmo alarmante”, cinco a
seis vezes mais rapidamente do que anteriormente registrado. Fato é que a
sociologia já descobriu que a migração para longe da fé cristã, por
parte de jovens antes engajados na vida eclesiástica, é um fenômeno
crescente. E uma resposta para este fato requer primeiramente uma
análise de tal êxodo e o questionamento honesto das razões pelas quais
ocorre.
ABANDONO
O presidente do Barna Group, entidade cristã de pesquisas sediada na
Califórnia (EUA), David Kinnaman, revela que cerca de 65% de todos os
jovens de seu país afirmam ter feito um compromisso com Jesus Cristo em
algum momento de suas vidas. Kinnaman entrevistou milhares de jovens
para a elaboração de seu livro UnChristian. Segundo ele, a
maior parte dos ‘não-cristãos’ da sociedade hoje é formada por gente que
em algum momento freqüentou igreja e serviu a Jesus. “Em outras
palavras, eles são nossos antigos amigos, adoradores de outrora”,
acentua.
Grande parte dos pesquisadores avalia que este dramático número de
abandonos espirituais por gente na faixa dos vinte e poucos anos
constitui, na verdade, uma etapa no curso da vida de quem chegou à
conclusão que vale mais a pena dormir até tarde ou fazer outros tipos de
programa aos domingos. O sociólogo Bradley Wright salienta que a
tendência da juventude ao abandono da fé é uma característica do
cristianismo contemporâneo. A questão do comprometimento moral parece
estar na base do processo. Donos do próprio nariz, não poucos jovens de
origem evangélica começa a mudar de hábitos, sendo mais abertos a novas
experiências e menos refratários àquilo que, durante anos e anos,
ouviram ser pecado.
Quando o rapaz ou a moça recém-saída da casa dos pais vai morar com o
companheiro, ou encontra na faculdade amigos que fazem convites para
noitadas, os conflitos entre a crença e o comportamento pessoal parecem
ficar inconciliáveis. Cansados de lidar com o que lhes resta de uma
consciência de culpa e relutantes em abandonar aquilo que têm como
conquistas pessoais, eles preferem abandonar o compromisso cristão. Para
isso, podem usar como argumentos o ceticismo intelectual ou a decepção
com a igreja, mas estes são apenas motivos superficiais para esconder a
razão principal. A verdade é que a base de crenças acaba sendo adaptada
para corresponder às ações.
“Em alguns casos, o processo é gerado por uma decepção com a igreja,
levando ao esfriamento”, aponta o pastor Douglas Queiroz, da Igreja
Plena de Icaraí, em Niterói (RJ). Há dez anos, ele dedica seu ministério
à juventude, aconselhando não apenas novos convertidos como gente que
nasceu na igreja mas em algum momento abandonou a fé. “Eles não se
identificam mais com a igreja da qual faziam parte”. Para Douglas, esse
fenômeno pode ser atribuído, em parte, ao momento em que o jovem vive.
Isso se dá pelo distanciamento que existe entre a igreja e a sociedade. O
jovem de hoje, detentor de muita informação, não aceita esta relação
ambígua, não suporta mais viver numa subcultura ou dentro de um gueto
com postura, linguajar e pensamentos distantes do cotidiano”, comenta.
Mas existem também, diz o pastor, situações em que não se trata
exatamente de um esfriamento espiritual. “A pessoa simplesmente descobre
que sua fé não existe, ou seja, nunca houve uma experiência individual.
O jovem é cristão simplesmente porque nasceu num lar de crentes e
cresceu indo à igreja.”
“PRATOS ATRATIVOS”
A diversidade de situações torna difícil resumir tudo no velho chavão
da “rebeldia juvenil”. Aos 30 anos de idade, o ministro de adoração da
igreja Casa da Bênção em Jardim Paulista (PE), Juliandreson Pimentel,
conhece de perto esta realidade. Funcionário público e estudante de
Direito, ele encontra tempo na agenda para trabalhar com jovens e acha
que o trabalho tímido de formação nas igrejas está na raiz do
esfriamento espiritual dos crentes nesta fase da vida. “Com uma conexão
maior fora do ambiente eclesiástico, muitos jovens acabam cuidando mais
de si mesmos, negligenciando o serviço de Deus”, comenta. Ao mesmo
tempo, existem fatores comuns. Muitos afastamentos foram precipitados,
como diz Douglas, por aquilo que aconteceu dentro da igreja, em oposição
ao que acontece fora dela. Até mesmo os que adotaram um estilo de vida
materialista ou uma forma de espiritualidade vaga demais para ser
definida como cristã têm em comum, quase sempre, uma vivência de
cristianismo superficial que efetivamente os afastou de uma fé
autêntica.
O sociólogo Christian Smith e seus colegas pesquisadores examinaram a
vida espiritual dos adolescentes americanos e perceberam que a maior
parte deles pratica uma religião que pode ser descrita como “deísmo
moralista e terapêutico”, que deixa Deus como o distante Criador que
abençoa pessoas que são “boas e justas”. Assim, o objetivo central dessa
divindade é ajudar os crentes a se tornarem felizes e a sentirem-se bem
consigo mesmos. E como esses adolescentes aprenderam sobre esta forma
de fé? Naturalmente, porque ela é ensinada de maneira explícita ou
implícita em todas as fases da vida nas igrejas. Ela está no ar
respirado pelos frequentadores de igreja, que buscam cultos amigáveis e
pequenos grupos de pouco compromisso. Quando esta visão ingênua e
utilitarista de Deus se une à realidade, não é surpreendente ver tanta
gente saindo porta afora das igrejas.
Criado na igreja, o jovem Gabriel Santana Mariano, de São Paulo, fez
esse percurso. Ele conta que o convívio com pessoas “do mundo”, como
dizem os evangélicos, acabou colaborando para seu distanciamento da fé.
“Os pratos que nos oferecem são bem atrativos”, diz. Os cultos saíram de
sua rotina e hoje ele frequenta academias, festas e baladas. A mãe, diz
Gabriel, continua orando por ele. “Se não fosse por isso, não sei como
poderia estar hoje”, reconhece. Apesar de tudo, ele confessa que
acredita e confia em Deus. “Sinto que sinto que não faço parte desse
mundo”, revela. “Algo dentro de mim sente um grande vazio e, mesmo que
eu tente me enganar, sei que isso é falta de uma comunhão com Deus.”
Os crentes, geralmente, adotam uma dentre duas reações igualmente
prejudiciais em relação a alguém que abandonou a fé: tornam-se
agressivos, com um discurso de julgamento, ou preferem não se envolver
na questão. No encontro anual da Associação Americana de Sociologia, em
2008, um grupo de estudiosos da Universidade de Connecticut e da
Universidade de Oregon relataram que “o maior papel dos cristãos no
processo de abandono de fé foi amplificar dúvidas previamente
existentes”. Os ex-cristãos relataram “dividir suas dúvidas com amigos
ou familiares cristãos e receberem respostas triviais e superficiais”.
Além de não possuir recursos apropriados para trabalhar com esse grupo,
as igrejas, no geral, não sabem lidar bem com aqueles que estão em
conflito com sua própria fé.
A crise de pessoas abandonando a fé também passa por outros níveis.
Primeiramente, jovens adultos estão abandonando a religião em ritmo mais
acelerado e em maior número do que jovens adultos das gerações
anteriores, conforme estudos feitos nos EUA e ainda incipientes por
aqui. Em segundo lugar, o argumento sobre fases da vida, por si só, não
se sustenta. O jovem adulto de hoje não é o jovem adulto de antigamente;
o de hoje permanece nesta fase por mais tempo. Casamento, carreira e
filhos – a força sociológica primária que leva os adultos de volta ao
compromisso religioso – são elementos hoje postergados para os vinte e
poucos ou trinta anos.
CAMINHO DE AMOR
Para Onésimo Pinto, pastor de jovens da Igreja Evangélica Bíblica
Betel, de Recife (PE), os pais têm uma parcela de culpa no afastamento
ou esfriamento da fé dos filhos: “Muitos educam os filhos de uma
maneira, mas, na prática, vivem de outra. Então, os filhos aprendem dos
pais a tapear e maquiar o cristianismo. O distanciamento acontece no
momento em que eles têm acesso caminhos antes inacessíveis”. Segundo
ele, esse hiato entre fé e comportamento acaba desestimulando os jovens,
que não querem repetir o erro e preferem abrir mão da vida cristã.
“Essa é a experiência que identificamos em muitas famílias”, atesta o
conselheiro. No entanto, Onésimo também aponta a culpa da Igreja:
“Infelizmente, falta um ensino doutrinário que fundamente a fé dos
jovens. Muitas igrejas são mais clubes sociais, onde as pessoas vão para
se encontrar e agendar programas, enquanto o estudo da Palavra
praticamente não existe.”
Não há nada de errado com pizzas e videogames, nem com celebrações
sensíveis ou pequenos grupos de pouco comprometimento que apresentam
pessoas à fé cristã. Mas isto não pode substituir o discipulado sério e o
ensino. Um lugar para começar é repensando como a Igreja e os
evangélicos têm ministrado aos jovens. A tentação de se afastar da fé
não é novidade. O apóstolo Paulo exortou a igreja em Éfeso sobre a
necessidade de amadurecimento de cada cristão: “o propósito é que não
sejamos mais como crianças, levados de um lado para o outro pelas ondas,
nem jogados para lá e para cá por todo vento de doutrina e pela astúcia
e esperteza de homens que induzem ao erro” (Efésios 4.14, segundo a
Nova Versão Internacional).
Apesar dessa lacuna, grande parte dos pesquisadores insiste que este
dramático número de abandonos espirituais durante os vinte e poucos anos
não é uma situação alarmante. Em seu recente livro “Cristãos são hipócritas cheios de ódio...E outras mentiras que você já ouviu (inédito em português),
o sociólogo Bradley Wright argumenta que estes números sobre a
tendência da juventude ao abandono da fé é “mais um mito” do
cristianismo contemporâneo. Ele lembra que os integrantes de cada nova
geração são sempre observados com suspeita pelos mais velhos. Ao falar
sobre a própria juventude, o autor se descreve como “um moço de cabelos
compridos e camisetas diferentes” e destaca que os adultos daquela
geração não tinham muita fé no futuro quando olhavam para adolescentes
como ele.
Wright acentua que jovens adultos costumam abandonar a religião
organizada quando deixam a casa dos pais, mas retornam quando formam sua
própria família. Rodney Stark também pede cautela. O sociólogo da
Universidade Baylor diz que dados de suas pesquisas reafirmam resultados
de outros estudos, mas que isso não é motivo para alarde. “Jovens
sempre foram minoria ao frequentar igrejas, em relação os mais velhos”,
ele escreve. Stark é confiante ao dizer que os jovens retornarão. “Um
pouco mais à frente, quando tiverem se casado e, principalmente, após a
chegada dos filhos, eles se tornam mais frequentes na igreja. Isso
acontece em todas as gerações”.
Em última instância, retornar ao aprisco após uma ausência de dois ou
três anos é uma coisa – depois de uma década, contudo, é mais
improvável. Além disso, há que se levar em conta que uma mudança tem
ocorrido na cultura de maneira ampla. As gerações anteriores foram
rebeldes por um momento, mas ainda assim habitavam uma cultura
predominantemente judaico-cristã. Os jovens afastados de hoje encontram
fora da igreja um caldo cultural que não favorece muito o retorno ao
sagrado. Por isso, a necessidade é do lento, porém frutífero, trabalho
de construir relacionamentos com aqueles que abandonaram a fé. Isto irá
requerer de cada parte envolvida – pais e filhos, Igreja, conselheiros,
educadores cristãos – o esforço de olhar além do ceticismo e enxergar a
necessidade espiritual de cada um. Uma vez que cada queixa, história e
demanda for ouvida e compreendida, certamente serão construídas pontes
de confiança e o caminho de volta para casa será iluminada com amor.
Drew Dyck é diretor de redação da revista Leadership Journal do grupo Christianity Today International, e é autor de Generation ex-Christian: Why young adults are leaving the faith . . . and how to bring them back (“Geração ex-cristã: Por que jovens adultos abandonam a fé... E como trazê-los de volta).
Fonte: http://cristianismohoje.com.br/interna.php?subcanal=23&__akacao=687894&__akcnt=3088de9c&__akvkey=0299&utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=CH+digital+9+%28dezembro%29+%282%29