Vejamos algumas estatísticas que ilustram o movimento do cristianismo no século XX. No começo desse século, havia por volta de 381 milhões de cristãos na Europa, 79 milhões na América do Norte, 62 milhões na América Latina, 10 milhões na África e 22 milhões na Ásia. Para o ano de 1950, os países com maior população cristã eram a Grã-Bretanha, a França, a Espanha e a Itália. É evidente que, desde o princípio até meados do século XX, a maioria da população cristã se encontrava no hemisfério norte do planeta.
No ano 2000, havia 481 milhões de
cristãos na América Latina, 360 milhões na África e 313 milhões na Ásia. Dos 2
bilhões de cristãos no mundo, 820 milhões estão na região da América do Norte e
1 bilhão e duzentos milhões no restante do planeta. Mais claramente, 58% dos
cristãos do mundo estão no Terceiro Mundo, enquanto que 42% estão na América do
Norte (sem contar o México) e na Europa Ocidental. Tal mudança demográfica se
tornará mais evidente nos próximos cinquenta anos. Para o ano de 2050,
projeta-se que 68% da população cristã estará no hemisfério sul. Além disso,
dos 32% restantes, uma quarta parte será de imigrantes de países do sul onde o
cristianismo tem grande vitalidade e desenvolvimento. Parafraseando o
historiador norte-americano Philip Jenkins, “logo a frase ‘um cristão branco’
será tão estranha como um ‘budista sueco’”.
É evidente, então, que o
cristianismo vive um processo de transição que os obriga a entender sua história
de um modo novo. Essa mudança traz consigo o desafio de revelar e reorientar
nosso entendimento da missão cristã. Esse desafio implica vários fatores ou
faces. Primeiro, enquanto esta História do movimento cristão ressalta a
atividade da transmissão da fé, cabe a futuros historiadores ressaltar o
processo de recepção. A nova ordem demográfica obriga, nas palavras do
historiador africano Lamin Sanneh, “a não estudar como o cristianismo descobre
os povos nativos, mas a estudar como os povos nativos descobrem o
cristianismo”. O ato de descobrir está nos povos. A agência e a atividade da
missão estão no povo que vai descobrindo o cristianismo. E isso é necessário
ser narrado, registrado, celebrado e avaliado.
Segundo, deve-se afirmar e
estudar a mutualidade do processo de transmissão e recepção do cristianismo.
Essa mutualidade, que é como as duas faces da mesma moeda, integra a história
das missões com a história da igreja. Se as missões e a vida da igreja estão
entrelaçadas, então é necessário nos entregarmos à tarefa de integrar nossa
interpretação daquilo que como fenômeno histórico e religioso já está
integrado.
Terceiro, nessas mudanças
demográficas as mulheres pobres, não brancas e de culturas tradicionais são o
agente transmissor e receptor do cristianismo no século XXI. Se o protagonista
do drama muda, normalmente temos outro drama. Até bem pouco tempo, o
protagonista do cristianismo era o homem branco. É suficiente indicar aqui que
há uma nova personagem principal e que o drama é diferente, mas há a certeza de
que a presença e acompanhamento do Espírito de Cristo se manifestarão nesse
novo drama.
Quarto, tal mudança demográfica
requer uma compreensão histórica das outras religiões, da história do encontro
dessas religiões com a fé cristã e das complexidades culturais e sociais da
conversão de uma religião não cristã ao
cristianismo. Por muitos anos, o trabalho missionário em solo não cristão
proveu recursos para que os novos convertidos pudessem enfrentar lutas e
conflitos que acarretavam uma conversão à “religião dos ocidentais”. À medida
que os povos do sul descobrem que o cristianismo já não é uma religião do
Ocidente (como hoje em dia tampouco podemos dizer que a tecnologia pertence aos
ocidentais), mas que se converteu em uma opção legítima na diversidade de
alternativas religiosas em muitas regiões do hemisfério sul, as dinâmicas entre
o cristianismo e as religiões não cristãs serão transformadas. Delas surgirão
conversas semelhantes às dos cristãos do primeiro século em relação às
filosofias helenistas. A isso, acrescenta-se a tendência de retornar às antigas
religiões esotéricas – a chamada “nova era”.
Quinto, a mudança demográfica
gera um movimento missionário que já não é tarefa exclusiva do Ocidente em
direção ao sul, mas que vai tanto de sul a sul, quanto de sul a norte. Assim há
missionários coreanos trabalhando na África, na América Latina e no Caribe.
Centenas de missionários brasileiros estão trabalhando, com falta de preparação
adequada, nos países muçulmanos. Missionários africanos trabalham na Europa e
nos Estados Unidos, tanto com grupos de imigrantes quanto com pessoas de
ascendência africana. Famílias missionárias coreanas implantam congregações
para imigrantes coreanos na Alemanha, mas começam um processo de ecumenismo
nacional com igrejas protestantes históricas e tornam-se parte do cristianismo
na Alemanha. Tal trabalho não é somente o resultado de igrejas que convidam
seus parceiros para compartilhar a missão no norte, senão o resultado, com seus
problemas e promessas, de uma tarefa intencional de servir como missionários
nos países em decadência moral e “neopagãs” do norte.
Sexto, a mudança demográfica
dá-se em um conjunto global cheia de incertezas, guerras, mortes e desastres,
que se manifestam de forma marcada no sul. No sul da África, onde a taxa de
crescimento do cristianismo é a mais alta do mundo, a taxa de mortes por AIDS é
também umas das mais altas do mundo. Os problemas de pobreza na África, na Ásia
e na América Latina têm como resultado a exploração da infância, especialmente
a de meninas, às quais são negadas educação e saúde. Mais de 46% da população
do mundo vive em extrema pobreza (e 5% é considerada “ultra rica”). Como
indicamos anteriormente, a mudança demográfica não vem acompanhada de poder
político e econômico. Em outras palavras, enquanto o cristianismo cresce no
sul, a pobreza envolve as mesmas terras. Portanto, a nova condição demográfica
requererá uma relação de solidariedade política e econômica entre as igrejas do
norte e do sul.
Sétimo, essa mudança demográfica,
ao lado do presente fracasso da globalização econômica, tem gerado um movimento
de seres humanos – da mesma forma que movimento de dinheiro e de recursos – sem
precedentes na história humana. Nesse movimento, ocorrem três situações de
impacto na vida da Igreja: a primeira é que há milhões de cristãos participando
dos movimentos migratórios e que esperam que suas igrejas cada qual em seu país
de origem atendam às suas necessidades espirituais, obrigando-as a sair de seu
contexto e a enfrentar novos desafios da fé em novos contextos. A segunda é que
muitos desses cristãos fazem parte de outras tradições cristãs – pentecostais
do Caribe se unem aos Metodistas nos Estados Unidos ou a Igreja reformada na Espanha – criando um deslocamento cultural
e religioso tanto para eles quanto para as tradições que os recebem, mas que
têm pouca consciência e abertura para as mudanças que seu presença traz. Por
último, a conversão de imigrantes nas
igrejas carismáticas e pentecostais – as que mais se aproximam da realidade
cultural e econômica dos pobres – continuam mudando a configuração cristã
típica, o que causa confusão em alguns círculos eclesiásticos.
Oitavo, o século XXI vê a fixação
de movimentos fundamentalistas que promovem a violência – tanto nacional como
internacional – e criam no mundo ocidental, um antagonismo para com a
experiência religiosa. Portanto, a vitalidade e o crescimento do cristianismo
ligado às culturas tradicionais são percebidos como um atraso ao projeto
moderno de convivência. Os grupos conservadores e fundamentalistas no norte,
entretanto, encontram “aliados políticos” em algumas expressões cristãs.
Pode-se dizer que os cristãos do sul estão sujeitos a manipulações ideológicas
e politicas por parte dos cristãos do norte. Um exemplo recente dessa situação
é a discussão entre denominações históricas no norte sobre a ordenação ao
ministério de homossexuais e lésbicas. Grupos conservadores nessas denominações
argumentam que aceitar a ordenação de homossexuais quebraria as relações
missionárias e seguras entre as denominações e as igrejas irmãs do sul. Algumas
igrejas no sul prestaram-se a seguir esse jogo ideológico, mas a grande maioria
delas reagiu, perguntando-se por que pediam a sua opinião sobre esse assunto,
mas nunca pediam sua opinião sobre assuntos financeiros e de distribuição de
recursos.
Nono, essa mudança demográfica
mostra uma nova configuração na organização das igrejas. Por exemplo, no ano
1970, 41% das instituições cristãs consideravam-se denominacionais, enquanto
58% reclamavam uma estrutura pós-denominacional. No ano 2000, as estatísticas assinalavam 35%
para as primeiras e 65% para as segundas. Da perspectiva das missões, isso
implica que o espírito de voluntariado que tanto caracterizou o movimento
cristão dos séculos XIX e XX continuará crescendo. Muitos grupos
pós-denominacionais não têm as estruturas responsáveis que caracterizam as
denominações e suas juntas de missão. Contudo, cia dessa estrutura – e até de
burocracia – dá maior liberdade ao movimento missionário, ainda que com os agravantes da falta de
preparação e de apoio para essa bela tarefa, porém complexa.
Por último, a presente mudança
demográfica provê condições nas quais as missões da igreja se convertem em eixo da tarefa teológica e ministerial. A
teologia surge do cotidiano de milhões de cristãos que vivem sua fé em relação
à pobreza, a outras tradições religiosas, à violência, à guerra, à incerteza, à
falta de serviços de saúde e a outros males relacionados com o processo de
globalização econômica. Os refugiados de hoje encontrarão nos sermões de João
Calvino – quando este vivia refugiado – esperança e fé. E os cristãos que
conhecem João Calvino por gerações – mas não experimentaram o deslocamento
humano – descobrirão uma interpretação nova que tem o potencial de revitalizar
a igreja. As mulheres pobres e marginalizadas da estrutura da igreja
encontrarão nas mulheres missionarias do passado – missionárias estrangeiras e
nacionais – uma voz que reclama sua espiritualidade acima de toda burocracia
religiosa, e talvez a igreja desperte para fazer justiça e reconhecer o papel
que tem tido a mulher na vida e no desenvolvimento de todas as Igrejas.
Em resumo, as missões não
acabaram. O cristianismo vive um momento espetacular, mas cheio de tensões e
paradoxos que demandam fé, amor e esperança. O cristianismo já não é uma
religião do Ocidente – nunca o foi, mesmo que tenhamos pensado o contrário. O
cristianismo chegou a todas as nações; tem maior vitalidade e crescimento em
umas que em outras, mas, sem dúvida, seu rosto é diverso. Mulheres e homens, de
todas as cores e culturas, e de todas as nações, vão a todas as nações para
descobrir e proclamar a mensagem de salvação e esperança do Reino de Deus.
EXTRAÍDO:
GONZÁLEZ, Justo. História do
movimento missionário – São Paulo:Hagnos,2008.
O cenario muda as pessoas mudam mais o avanço da igreja e inevitavel independente de ser homem ou mulher no norte na asia america latina etc, como o texto diz o Espirito de cristo sempre acompanhara,todos os processos culturas racas,tradiçoes,precisamos renovar sem mudar os principios,que devem ser os mesmos mais o poder politico e economicoe novas ideologias crista(ordenaçao de homossexuais) sao muito forte e prejudica as açoes missionarias.Faço minha a finalizaçao desse edital sem mais palavras(O cristianismo chegou a todas as nações; tem maior vitalidade e crescimento em umas que em outras, mas, sem dúvida, seu rosto é diverso. Mulheres e homens, de todas as cores e culturas, e de todas as nações, vão a todas as nações para descobrir e proclamar a mensagem de salvação e esperança do Reino de Deus.
ResponderExcluirluiz antonio turma 303 sabado manha abraço.