É
demonstrado no Novo Testamento que a ação dos demônios e de Satanás é distinta,
visto que, claramente é demonstrada a ação possessiva dos demônios sobre as
pessoas e já Satanás tem como função prioritária a da indução e tentação ao
pecado, levando o homem a praticar tudo que desagrade ao seu Deus e as suas
leis. Observa-se nos textos neotestamentários, principalmente nos Evangelhos
que, o exorcismo é efetuado em relação à capacidade possessiva dos demônios, entretanto,
nunca é mencionado tal ato em relação à Satanás! É indubitável a caracterização
dos demônios como atores que infligem o domínio dos indivíduos e, em muitos
casos relatados são os causadores de diversas enfermidades. É percebida essa
concomitância, visto que, quando Jesus os expulsa, as pessoas voltam à
normalidade. Entretanto, são poucas específicas os tipos de doenças que as
narrativas apresentam como sendo causadas pela ação demoníaca, daí verificarmos
que os Evangelhos mostram a soberania de Jesus sobre os demônios e sobre as
enfermidades. Os pesquisadores se debatem entre os motivos pelos quais algumas
enfermidades são associadas à possessão e outras não. Uma primeira explicação
está em que as doenças de causas exteriores como cegueira, lepra, etc. são
tidas como não causadas pelos demônios e àquelas interiores ou de causas
desconhecidas em sua época, vinculada a essa ação. No entanto não é a única,
pois os pesquisadores inferem outras características da ação demoníaca, como a
falta de controle de seus atos; condutas imorais e obscenas; estilo de vida
destrutivo, etc. Em resumo, verifica-se que embora, os evangelhos não
apresentem nos Evangelhos à possessão demoníaca como causadora de todas as
enfermidades, na teologia de Jesus e também presente no judaísmo tradicional de
seus dias, a chegada do Reino de Deus traz consigo a eliminação de toda essa
instabilidade no mundo. Como característica da chegada do Reino de Deus, há
esse domínio sobre os demônios, sobre os fenômenos da natureza e sobre as
enfermidades.
As
hipóteses sustentadas na atualidade em relação à compreensão e conceitualização
que Jesus tinha em relação aos fenômenos demoníacos são as seguintes: Em
primeiro lugar, Jesus como fruto cultural de sua época, não poderia ter uma
compreensão distinta da dos seus pares, visto que ele está inserido no mesmo
ambiente cultural, devido isso, o seu entendimento era fruto da compreensão
adquirida pelos judeus de seus dias e praticadas pelos seus contemporâneos.
Dentro de seu contexto, ele via os demônios como seres que procuravam se opuser
à vontade de Deus e à sua obra; em segundo lugar, Jesus é supra cultural, ou
seja, o seu conhecimento das coisas está além dos seus dias, entretanto, no ato
de encarnar-se, ele também se acultura visando alcançar e aliviar o sofrimento
do homem das circunstâncias que o cercam; em terceiro lugar e por último, Jesus
pode ter tido no início a mesma compreensão da ação demoníaca similar a dos
seus pares de que, em última análise, eles eram seres que se opunham à vontade
de Deus, porém, com a evolução de sua mente, caminhando para a compreensão de
que a raiz de toda enfermidade e mal se encontra no coração do homem! Não temos
como determinar o que cria Jesus em relação a possessão demoníaca, entretanto dentro
de sua missão salvífica, o poder e sua autoridade sobre os demônios é fato
inegável como atos presentes do Reino de Deus!
As
igrejas de tradição neopentecostal têm se posicionado com uma atitude bastante
oposta ao que encontramos nas tradições relativas à de Jesus narradas nos
Evangelhos, visto que toda anormalidade na vida do homem é vinculada
diretamente ou indiretamente à ação do diabo e de seus demônios. Tanto Satanás
quanto seus serviçais são vinculados a uma rebelião ocorrida nos céus e, após sua
derrota, Deus os expulsou de lá e desde então eles vivem num confronto épico
com o homem e por isso, esses seres caídos são os culpados por todas as
desgraças da humanidade. São estabelecidas verdadeiras estratégias de guerra
para vencer o inimigo dentro dessas igrejas. Expressões como: “desalojar o
gigante de seu território”, demarcação espiritual com derramamento de óleo
ungido e outras práticas similares constituem as estratégias estabelecidas como
fundamental para derrota desses seres. Uma interpretação de que os demônios são
os culpados por todas as desgraças da humanidade não se sustenta diante das
narrativas bíblicas, pois, embora textos fora do ambiente sinóptico declare que
Satanás é o causador das anomalias humanas, porém, essa teologia não é clara
nos ditos de Jesus! Verifica-se claramente que muitas enfermidades são de
causas naturais ou de âmbito psicossomáticas e, para isso há terapias médicas
adequadas a tratarem esses distúrbios, porém, essas igrejas defendem à
possessão ou opressão maligna como a causa primária desses desajustes! Não
podemos negar com base no texto bíblico à existência dos demônios como o faz o
Dr. Rubem Alves em “Religião e Repressão”, pois as tradições antigas dos textos
neotestamentários enfatizam suas existências como algo ligado ao período
inicial da Igreja, mas também presente na mentalidade dela nos séculos
posteriores. Mas também não podemos identificar a demonologia como fator único
ou principal de todas as desarmonias humanas, visto que percebemos claramente
nas tradições sinópticas à presença de enfermidades ligadas a causas naturais e
não demoníacas!
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